Pe. Jean Marie Van Damme (Pe. João Maria – assessor das CEBs NE V).

Hoje é Natal. Pensava em não fazer esta reflexão sobre nossa conjuntura. Mas não resisti às solicitações e pedidos de muita gente. Aí, pensava em dar um tom mais alegre, mais descontraído, mas não tem jeito. Não dá para esquecer as milhares de famílias que, para se alimentar, recorrem aos “ossos com carne” ou aos “pés de galinha”. Estima-se que 40% da população brasileira enfrenta problemas sérios de alimentação inadequada. Enquanto isso, em Brasília foi votado o orçamento da União para 2022, dando prioridade ao engordo das caixas eleitorais e dos partidos políticos. Não é deles que veio a solidariedade neste Natal: essa vem do MST, do MTST, das centenas de organizações e associações e igrejas que juntam e distribuem cestas básicas ou marmitas e sopas. Vem das poucas ações de alguns governos estaduais e municipais através de políticas como restaurantes populares e bancos de alimentação, ou ainda de políticas estruturantes como o fortalecimento da agricultura familiar, que conta com parcos recursos.

Enquanto assistimos ao surgimento de novas variantes do coronavírus, como a delta e a ômicron, é colocado em discussão no Brasil a vacinação de crianças entre 5 e 11 anos. A Pfizer já produziu e testou uma vacina própria, adequada para esta idade. Já está sendo aplicada em muitos países. É visto como uma condição para segurar o vírus na época em que as crianças precisam voltar para as escolas, onde se constatou possíveis focos de contaminação. No Brasil não: o ministro da saúde faz agora uma “consulta pública” para saber se a população está a favor ou contra a vacinação de crianças. Porque não fazem consulta para saber se o povo concorda em aumentar os salários para deputados e políticos, ou para aumentar e desviar o dinheiro dos impostos para financiar as eleições?

Todos sabemos como a vacina salva vidas: está mais do que comprovado. O ministro de saúde não aprendeu isso na faculdade, parece. Ainda não tem mortes de crianças suficientes, para começar a vaciná-las, falou Queiroga. Ele esqueceu que vacina é prevenir para que não ocorram tais mortes e a contaminação dos mais idosos? Vai decidir só no dia 4 ou 5 de janeiro. Além do mais, o governo federal quer que os pais gastem dinheiro com consulta médica. Porque só depois de prescrição por um médico e assinando um termo de responsabilidade pelos próprios pais, as crianças receberiam a vacina. Esta prática nunca foi vista na história e em nenhum país do mundo. Só no Brasil, com um governo genocida e declaradamente antipopular. Vale ressaltar que o Conselho Nacional de Saúde é contrário à consulta e defende a imediata vacinação de crianças e adolescentes, já aprovada inclusive pela ANVISA no dia 16 deste mês. É preciso perguntar, qual seria o motivo do governo federal em abrir mais um conflito em torno do enfrentamento da COVID-19, e agora com a própria Agência Nacional de Vigilância em Saúde. Sem sentir-se ameaçado por uma CPI, o governo voltou a sua anterior atitude de negar a existência da doença e portanto, de enfrentá-la com políticas públicas. Apesar de ter recebido solicitações para aumentar a verba para a vacinação em 2022, a proposta do executivo de R$3,9 bilhões foi mantida pela maioria do Congresso (358 votos).

O Congresso Nacional só pode entrar em recesso de final de ano e tirar férias no mês de janeiro, após a votação do orçamento. Com a apreciação do orçamento federal para 2022 em 21/12, o Congresso garantiu suas férias. O que se destaca na Lei de Orçamento Anual (LOA), são a verba para os fundos partidários e eleições e as emendas parlamentares[1].

Os políticos – partidos e pessoas com ou sem mandato – dispõem de dois fundos para custear suas atividades e as eleições. Um fundo é chamado de fundo partidário, o outro de fundo eleitoral. O fundo partidário (Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos) foi criado em 1965 na época da Ditadura Militar e sofreu várias alterações durante a história, até  chegar à atual lei que data de 1995 (Lei 9.096). Até 2015, o fundo partidário dispunha anualmente de uma média de R$1,00 por cidadã(o) (ou seja cerca de 200 milhões de reais) e serve para os partidos se organizarem nacional e regionalmente. Não é este fundo que paga proventos, benesses, vantagens, regalias dos parlamentares! A partir de 2015, este valor subiu para R$ 4,00 por cidadã(o)[2]. Em 2020, o fundo partidário distribuiu R$ 953 milhões. O fundo eleitoral (Fundo Especial de Financiamento de Campanha) foi criado em 2017 (Lei 13.487), diante da proibição pelo STF do financiamento das campanhas por empresas (pessoas jurídicas). Este recurso é distribuído aos partidos a cada dois anos (nos anos de eleições)[3] e impacta em 2022 em R$ 5,6 bilhões, aprovados pelo Congresso e aguardando agora a aprovação (sancionamento) do Presidente da República.

Chama ainda a atenção o alto valor reservado para as emendas parlamentares: R$ 21,12 bilhões. Parte desses recursos devem ser investidos em saúde, educação ou assistência social e serve principalmente para os parlamentares se mostrarem atuante frente aos seus eleitores. Investem esse dinheiro, onde esperam votos nas próximas eleições. Ao mesmo tempo, usam esse recursos para ameaçar o poder executivo: se não liberar o dinheiro para o seu projeto, pode não votar em matérias de interesse do governo. Também o contrário acontece. O executivo promete liberar dinheiro se o parlamentar apoiar suas propostas de lei.

Um desses projetos que interessam o governo do inominável, é o aumento de salários para policiais[4]. Aquele que está à frente do governo do Brasil quer aumentar, por exemplo, os salários dos delegados federais, equiparando-os aos maiores salários de servidores públicos, os ministros do STF, que ganham mais de R$ 39 mil por mês. O aumento de salários atingiriam as diversas polícias em nível federal, entre estes a Polícia Rodoviária PRF) e do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN)[5]. Será que está preparando um golpe militar-policial depois de perder as eleições? Ou apenas pretende garantir os votos das forças de segurança para sua improvável reeleição?

Dos R$ 4 trilhões e seiscentos e dezenove milhões de reais previstos na arrecadação, R$ 113 bilhões vão ser destinados à educação – ou seja 2,44%. Para a saúde foram orçados R$ 147 (3,18%), menos do que só R$ 178 bilhões deste ano. Mas para pagar juros e serviços de uma dívida pública imoral e nunca auditada, a LOA reserva R$ 1,884 (ou seja 40,8%).

Dos 18 deputados federais do Maranhão, por exemplo,  Josivaldo (Podemos), Rubens Pereira (PCdoB) e Bira do Pindaré (PSB) não aprovaram o orçamento. Os demais 15 deputados disseram SIM, em nome do povo maranhense. É bom lembrar disso em outubro do ano que vem![6] No Senado, Eliziane Gama discordou do orçamento, enquanto os dois outros senadores não se fizeram presente na votação[7]. (Você sabe como votaram os deputados e senadores de seu Estado?)

Após pedidos de exoneração em massa de profissionais no INEP[8] (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) em novembro deste ano e de 114 técnicos do CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior), ambos da área da educação, nesta semana foram os auditores da Receita Federal para mostrarem sua insatisfação com o governo. A redução da verba para a fiscalização da Receita para aumentar salários para a PF[9], desagradou os auditores.

Comemoremos nestes dias a solidariedade que existe entre os mais pobres, que a frater sororidade seja nossa prática durante o ano de 2022 toda. Como falava dom Helder Câmara: é dos pobres que surgirá a redenção, do Menino-símbolo que nasceu de uma mãe solteira e de um pai adotivo, visitado pelo ralé da sociedade e pelos pagãos de outras religiões não judaicas, magos e astrólogos. A família é obrigada a se refugiar, como milhões de pessoas hoje em dia. Só uma mensagem natalina, com Paulo Freire, gostaria de lhe dirigir: mantemos nossa esperança. Esperança não vem do verbo esperar, mas de esperançar, que é o ativo engajamento nas lutas por um mundo melhor. Só com nossa ação coletiva, o novo acontecerá: Feliz Natal cheio de esperança e um ano 2022 com resistência e ativa busca de Outro Mundo Possível e Necessário.


[1]     https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/12/21/aprovado-orcamento-2022 (Acesso em 2021/12/25)

[2]     http://www.sesconrs.com.br/wp-content/uploads/2017/10/SESCON-RS-Gest%C3%A3o-P%C3%BAblica-Eficaz-Estudo-sobre-o-Fundo-Partid%C3%A1rio.pdf (Acesso em 2021/12/25)

[3]     https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2021/Novembro/fundo-eleitoral-x-fundo-partidario-entenda-a-diferenca (2021/12/25)

[4]     https://www.infomoney.com.br/politica/congresso-aprova-o-orcamento-para-2022-com-fundo-eleitoral-de-r-49-bilhoes-r-165-em-emendas-de-relator-e-reajuste-para-policiais/ (Acesso em 2021/12/25)

[5]     https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/12/21/comissao-aprova-orcamento-2022-com-r-493-bi-para-campanhas-e-reajuste-para-policiais-federais.ghtml (Acesso em 2021/12/25)

[6]     https://congressoemfoco.uol.com.br/area/congresso-nacional/confira-como-cada-parlamentar-votou-no-orcamento-de-2022/ (Acesso em 2021/12/25) – Pode conferir também para os demais Estados brasileiros.

[7]     https://interativos.g1.globo.com/politica/2019/como-votam/senado/brasil/projetos/orcamento-da-uniao-para-2022 (Acesso em 202/12/25)

[8]     https://vestibular.brasilescola.uol.com.br/enem/enem-2021-demissao-em-massa-no-inep-gera-incerteza-sobre-o-exame/351118.html (Acesso em 2021/12/25)

[9]     https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2021/12/21/corte-orcamento-receita-federal.htm (Acesso em 2021/12/25)